Dobradura, por Daniela Pace Devisate

transcrição e organização de notas de leitura apresentadas em comunicação oral (*)

Achei muito interessante o título, Dobradura, essa alusão à técnica oriental de fazer todo tipo de figura com papel sem usar cola, sem usar tesoura. A capa do livro conversa lindamente com isso, que diz respeito à forma do texto da Maiara e, no enredo, à mágica linguagem dos pássaros. Essa linguagem dos pássaros, que dizem que o rei Salomão entendia, Arthur entende.

O protagonista, Arthur, tem 12 anos e é um órfão adotado por uma madrinha muito especial que se chama… Ariadne! Os nomes dos personagens dão pistas de universos ficcionais, de universos literários, o que é muito interessante. O        nome do menino remete ao do rei Arthur, às novelas de cavalaria, ao mítico rei-menino, à jornada do herói.

As referências são muitas, muitas mesmo, por isso é um livro interessante também para pessoas adultas, com mais bagagem de leitura, que vão se divertir lendo as reinvenções que a Maiara faz.

Para as crianças, ela apresenta desde os contos de fadas e os contos populares mais conhecidos até a Odisseia, As Mil e Uma Noites… É realmente de uma riqueza imensa!

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Logo no comecinho, ela cita (de passagem) a questão da reciclagem, e tem até uma receita de papel reciclado em forma de canção, que a madrinha ensina às crianças.

A Maiara também toca na questão indígena, diz que “os indígenas sabem ler as florestas”, que “as árvores, pra eles, são como livros”. Fala sobre reflorestar não só a floresta concreta, mas o próprio imaginário, e cria uma identificação da árvore com o livro e com a capacidade de imaginar.

Ali existe a floresta externa e existe a floresta interna, e as duas precisam ser preservadas, reflorestadas (“uma floresta de sonhos, é como Alice chamava a biblioteca da madrinha”).

Uma grande questão que ela coloca, de uma que achei forma linda, é: em que língua a gente sonha? “Em que língua sonhamos?”. Nesse ponto, menciona um nome que eu não conhecia, Urihi, usado pelo povo yanomami para se referir à Terra, à natureza, que eles veem como uma entidade viva.

Entre muitos temas, o livro toca num dos maiores medos das crianças, a perda dos pais, o medo do abandono. O labirinto, o espelho, o buraco de Alice simbolizam o inconsciente, aquele oceano (ou, quem sabe, aquele baú, aquela lata de vestígios do Arthur), de onde saem histórias.

Arthur tem muitos medos e um pesadelo recorrente. Ele vai exorcizar esses medos com um objeto mágico que a madrinha dá pra ele, um caderno de anotações. Além desse caderninho, ele tem uma lata de vestígios, em que guarda conchas, pedrinhas, fios… É dessa lata que vão sair algumas ideias pra ele começar a escrever. Tem frases muito bonitas que são notas do Arthur, destaco duas: “Nomear é acender uma luz”, “O nome é um rosto substituto”. Essas anotações têm a ver com o pesadelo repetido, em que “a voz de uma pessoa sem rosto desaba como um trovão”.

Em dado momento, como se a escrita fosse uma máquina do tempo, Arthur vai ser ver já adulto, como um escritor de livros para crianças. Dobradura é uma narrativa que mexe muito com a não linearidade da narrativa. Desse labirinto de histórias você só consegue sair com o fio mágico da madrinha Ariadne, “um fio que une as histórias de fora com as histórias de dentro”.

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Arthur tem uma irmã caçula, a Alice, que tem uma incrível alegria de viver e uma capacidade imensa pra fabulação, pra a fantasia. Ela usa uma capa de chuva da tia, o que me remeteu um pouco à Chapeuzinho Vermelho, e é como se ela tivesse a chave para os mundos mágicos. O nome dela, é claro, é uma referência à Alice do Lewis Carroll.

O Princepezinho Ranzinza é um personagem adorável; tem Hilda, a livreira, que fica grávida de gêmeos, Ulisses e Diana (gancho para a recontagem de trechos da Odisseia); o Narrador… A Maiara coloca coisas muito legais sobre essa questão do narrador, ela escreve: “por causa de um mistério do mundo invisível, a voz do Narrador parece a voz solta de um fantasma”, então tem essa figura, um narrador-personagem, que pode ser lida ali como um pássaro, o Narrador-Corrupião.

Uma parte das histórias é feita dos sonhos dos personagens.

Um dos momentos divertidos é o que antecede a decisão da madrinha de adotar as crianças, quando sonhava, por exemplo, com duas mulheres gigantes que andavam de patinete: As Gêmeas de Patinete.

E o livro termina com um enigma: “quem inventou essa história? Maiara vai elencar quem poderia ser, e fica essa questão para o leitor-mirim resolver.

(*) As notas da Daniela Pace foram reorganizadas na transcrição. Organização original disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-rUWs3KJd_4

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