Dobradura, por Arthur Chaves (transcrição)

“Galerinha, hoje eu vou indicar para vocês este livro, Dobradura, da autora Maiara Gouveia para o selo Tá de sol, Tá de lua. São as aventuras de dois irmãos, Arthur e Alice, em um mundo cheio de sonhos, com referências de livros famosos – como Alice no País das Maravilhas, O Flautista de Hamelin, Pinóquio e os Três Porquinhos – e de autores famosos, como Kafka e os irmãos Grimm. Uma parte da história acontece em uma livraria… Vocês precisam se jogar nas aventuras desses irmãos! Beijos.”

Arthur Chaves, 9 anos. Transcrição do vídeo disponível em: https://youtu.be/DBBIhXlLhq4

Dobradura, por Daniela Pace Devisate

transcrição e organização de notas de leitura apresentadas em comunicação oral (*)

Achei muito interessante o título, Dobradura, essa alusão à técnica oriental de fazer todo tipo de figura com papel sem usar cola, sem usar tesoura. A capa do livro conversa lindamente com isso, que diz respeito à forma do texto da Maiara e, no enredo, à mágica linguagem dos pássaros. Essa linguagem dos pássaros, que dizem que o rei Salomão entendia, Arthur entende.

O protagonista, Arthur, tem 12 anos e é um órfão adotado por uma madrinha muito especial que se chama… Ariadne! Os nomes dos personagens dão pistas de universos ficcionais, de universos literários, o que é muito interessante. O        nome do menino remete ao do rei Arthur, às novelas de cavalaria, ao mítico rei-menino, à jornada do herói.

As referências são muitas, muitas mesmo, por isso é um livro interessante também para pessoas adultas, com mais bagagem de leitura, que vão se divertir lendo as reinvenções que a Maiara faz.

Para as crianças, ela apresenta desde os contos de fadas e os contos populares mais conhecidos até a Odisseia, As Mil e Uma Noites… É realmente de uma riqueza imensa!

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Logo no comecinho, ela cita (de passagem) a questão da reciclagem, e tem até uma receita de papel reciclado em forma de canção, que a madrinha ensina às crianças.

A Maiara também toca na questão indígena, diz que “os indígenas sabem ler as florestas”, que “as árvores, pra eles, são como livros”. Fala sobre reflorestar não só a floresta concreta, mas o próprio imaginário, e cria uma identificação da árvore com o livro e com a capacidade de imaginar.

Ali existe a floresta externa e existe a floresta interna, e as duas precisam ser preservadas, reflorestadas (“uma floresta de sonhos, é como Alice chamava a biblioteca da madrinha”).

Uma grande questão que ela coloca, de uma que achei forma linda, é: em que língua a gente sonha? “Em que língua sonhamos?”. Nesse ponto, menciona um nome que eu não conhecia, Urihi, usado pelo povo yanomami para se referir à Terra, à natureza, que eles veem como uma entidade viva.

Entre muitos temas, o livro toca num dos maiores medos das crianças, a perda dos pais, o medo do abandono. O labirinto, o espelho, o buraco de Alice simbolizam o inconsciente, aquele oceano (ou, quem sabe, aquele baú, aquela lata de vestígios do Arthur), de onde saem histórias.

Arthur tem muitos medos e um pesadelo recorrente. Ele vai exorcizar esses medos com um objeto mágico que a madrinha dá pra ele, um caderno de anotações. Além desse caderninho, ele tem uma lata de vestígios, em que guarda conchas, pedrinhas, fios… É dessa lata que vão sair algumas ideias pra ele começar a escrever. Tem frases muito bonitas que são notas do Arthur, destaco duas: “Nomear é acender uma luz”, “O nome é um rosto substituto”. Essas anotações têm a ver com o pesadelo repetido, em que “a voz de uma pessoa sem rosto desaba como um trovão”.

Em dado momento, como se a escrita fosse uma máquina do tempo, Arthur vai ser ver já adulto, como um escritor de livros para crianças. Dobradura é uma narrativa que mexe muito com a não linearidade da narrativa. Desse labirinto de histórias você só consegue sair com o fio mágico da madrinha Ariadne, “um fio que une as histórias de fora com as histórias de dentro”.

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Arthur tem uma irmã caçula, a Alice, que tem uma incrível alegria de viver e uma capacidade imensa pra fabulação, pra a fantasia. Ela usa uma capa de chuva da tia, o que me remeteu um pouco à Chapeuzinho Vermelho, e é como se ela tivesse a chave para os mundos mágicos. O nome dela, é claro, é uma referência à Alice do Lewis Carroll.

O Princepezinho Ranzinza é um personagem adorável; tem Hilda, a livreira, que fica grávida de gêmeos, Ulisses e Diana (gancho para a recontagem de trechos da Odisseia); o Narrador… A Maiara coloca coisas muito legais sobre essa questão do narrador, ela escreve: “por causa de um mistério do mundo invisível, a voz do Narrador parece a voz solta de um fantasma”, então tem essa figura, um narrador-personagem, que pode ser lida ali como um pássaro, o Narrador-Corrupião.

Uma parte das histórias é feita dos sonhos dos personagens.

Um dos momentos divertidos é o que antecede a decisão da madrinha de adotar as crianças, quando sonhava, por exemplo, com duas mulheres gigantes que andavam de patinete: As Gêmeas de Patinete.

E o livro termina com um enigma: “quem inventou essa história? Maiara vai elencar quem poderia ser, e fica essa questão para o leitor-mirim resolver.

(*) As notas da Daniela Pace foram reorganizadas na transcrição. Organização original disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-rUWs3KJd_4

Rolou neste mês

A BORBOLETA E O CUBO DE VIDRO. Espetáculo de dança flamenca contemporânea atravessado por coro de mulheres. Estou entre as autoras maravilhosas lidas pela Roberta Ferraz na Biblioteca Mário de Andrade, como abertura ao solo criado, dirigido e interpretado por Ale Kalaf.

FEMININO INFINITO. Lançamento do livro Feminino Infinito, na Casa das Rosas, com mais de 120 autoras (organizado por Paula Valéria Andrade). Estou entre elas! ❤

EM BREVE! Lançamento presencial de Dobradura, meu 1° livro infantojuvenil (depois de 3 livros de poemas), publicado em julho de 2022.