Um antídoto às linguagens autoritárias
Filosofia e ensino de filosofia como antídoto às linguagens totalitárias. Na reflexão filosófica, é justamente a presença de obstáculos, de “becos sem saída” (aporias) em certas percepções e abordagens – num sistema específico de compressão da realidade – o que inaugura as diferentes formas de fazer e de ensinar filosofia. Essas diferentes formas são destacadas por Gonzalo Armijos (no artigo “O ensino da filosofia e a ‘situação-problema’”) – em oposição a noções normativas do que é filosofia e do que é o ensino de filosofia.
A proposta (para o ensino e o fazer filosófico) é repensar os conceitos e as formas estabelecidas (sobretudo as autoritárias), é um convite à abertura para a diversidade de perspectivas e também à tensão do que não se resolve, do que segue como desafio e flexível a ajustes e a reformulações conforme as circunstâncias e o tipo de problema enfrentado por quem filosofa ou ensina a filosofar (isso resulta em compreender como válidas definições diversas do fazer filosófico que surgem em cada contexto: histórico, sociocultural etc.).
(“A filosofia, aqui, também coloca em questão a si mesma”, grifa a professora Juliana Oliva, da FEUSP).
Nessa perspectiva, a necessidade de achar uma solução já não é o coração do desafio. Agora, o acolhimento do obstáculo e do desafiador é o que move o pensamento filosófico. Digo: o acolhimento do desafio é um estímulo ao serviço de refazer o real a partir da modulação do que se compreende como real. Ao dizer modulação, penso em diálogo (essa “condição do fazer filosófico”, conforme Platão citado por Armijos). Diálogo com a pluralidade do atual e com a pluralidade do passado (a tradição canônica ocidental mais o resgate das vozes silenciadas em modelos excludentes).
E ao pensar em filosofia como exercício de refazer o real a partir da modulação do que se compreende como real, lembro do ensaio “Profanações”, do filósofo italiano Giorgio Agamben, que termina com o chamado à tarefa de “profanar o improfanável”, quer dizer, à tarefa de devolver ao uso comum (e ao jogo) o que foi separado do espaço público e confinado ao uso (ou abuso) restrito.
O que Agamben propõe, em sintonia com o exposto, é democratizar o que se instrumentalizou como totalitário, é libertar – no que se tornou propriedade privada (conceitos, formas de agir etc.) – a potência profanadora da partilha: a oportunidade de, contagiado pelo “outro”, poder ser de outra forma, poder modular as cartografias do possível.
VER TAMBÉM A questão das linguagens totalitárias em O que pode o corpo de uma língua?
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. “O Elogio da Profanação”. Em: Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.
ARMIJO, Gonzalo. “O ensino da filosofia e a ‘situação-problema’”. Em: CARVALHO, Marcelo. CORNELLI, Gabriele. Filosofia e Formação. Volume 1. Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013. Disponível em: https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/401646/1/Filosofia%20e%20forma%C3%A7%C3%A3o_Vol_1.pdf
OLIVA, Juliana. Apresentação do Curso Introdução aos Estudos da Educação (enfoque filosófico). Produção do Diário de Bordo.