Aula 5. Poesia: uma ruptura na linguagem
Preparação da aula de abertura do módulo 2 do curso Morfologia do Profano: a irrupção da poesia
trechinho inicial do texto | base para a redação da apostila

Pois assim falam os inspirados; e os ouvintes, que se encontram manifestamente no mesmo estado, aceitam essa linguagem. Por isso ela se harmoniza também com a poesia: porque a poesia se origina da inspiração. (ARISTÓTELES)
A poesia, na tradição poética arcaica, é tida como a linguagem dos deuses. Platão nos diz que ela é o “sentido real das coisas”. Na inspiração, o poeta é uma passagem: elide a si mesmo e dá lugar à voz divina. A irrupção da poesia, nesse caso, é a irrupção de uma razão incontestável.
Ao ser tocado pela “realidade total”, de simples porta-voz, o poeta passa à posição sacerdotal, agora ele é o mediador entre as outras pessoas e a divindade, é quem transmite e ensina a verdade, a verdade mais pura (e a mais pura verdade). Pelas formas poéticas se ouviam os mitos: a palavra sagrada; isto é, a moralidade; isto é, os mandamentos de como viver.
pois o poeta é um bem sutil, alado e sagrado; ele não é capaz de compor antes de ser inspirado pela divindade, de estar fora de si, e antes que a razão não esteja nele; enquanto conserva esta faculdade, todo ser humano é incapaz de compor e profetizar. (PLATÃO)
À medida que a história avança, a poesia lentamente se descola dos sentidos fundadores e se torna ela mesma a tradução de uma passagem. Ou: à medida que a história avança, fica mais aguda e espalha raízes a consciência da ambivalência na voz poética.
A poesia é agora um coro onde se ouvem dissonâncias, onde a palavra é ao mesmo tempo a irrupção de um sentido intenso e de um silêncio de igual intensidade. Mas esse sentido não é mais o “sentido real das coisas”, ele é a própria coisa, a coisa abrindo-se e abrindo mais frestas, caminhos, passagens, mais possibilidades de sentido e de dizê-los. A poesia, portanto, é a instauração do possível na linguagem.
Maiara Gouveia. 9 de outubro de 2019.