
1.
Do sal à lavareda ondina, artimanhas são desfeitas no marítimo.
Ouça isto, Penélope, na minha voz mezzo-soprano: a linha
Entre os dois peixes e o Aguadeiro
No mapa
Na ponta dos meus dedos, é o mapa
Do céu. Onde mundos deságuam em
Histórias milenares desde as minhas
Impressões digitais.
Ouça o chiado na espuma: tempo mínimo
De uma vida. Semínima
Ou fôlego
Interrompido noutra fala. O corte e o recorte
Da sua figura arredia e
Reconfigurada
A cada luz.
Ou a luz ou o rasgo de ave no ponto
Mais alto da onda:
Ferida de açúcar na testa do monstro aí dentro
De um pesadelo-sopro onde o mar termina
Onde só existe um monstro: o abismo
Da sua boca no confronto
Com o risco
De a cicatriz sumir
Porque nada perdura a ponto
De jamais desmanchar
A rocha mais dura agora é leito
De peixe ou alento
No canto aguadeiro do mar.
2.
Afundar cidades íntimas.
Porque o íntimo é inabitável.
Refundar o íntimo. Partir
Da arquitetura selvagem até o tempo
Submerso dos quadros.
E saquear os próprios barcos.
Retornar.
O movediço como norte.
O retorno contínuo
A um continente móvel.
Fundar partilhas em fissuras
No imprevisto das caixas e das fendas.
Dizer às vozes seculares que povoam
Cada ofício:
Estou presente.
Sei talhar e retalhar enigma e sentido.
Dou às sombras meu óbolo: este
Contorno.
E sinto muito o tempo todo.
primeira versão: 17/06/19. Maiara Gouveia.