3 inéditos | Maiara Gouveia

Cosmogonia

(26.02.19)

Fazer da sua figura uma fonte
é como ler arcanos.
Partir da imagem dúbia do Louco até 
chegar à síntese: O Mundo. Leio
suas mãos neste baralho.
É um jogo místico. Atravesso
as linhas na sua pele. Engulo,
signo por signo,
sua beleza muda e dolorida no meu sexo.
E o prazer me acossa como um pedido
insistente. E alto
os poros imploram
sua língua dentro
da noite calma, moldura indiferente
à vindima de desejos.
Vindima
porque o aroma de uva fermentada sobe
à imaginação enquanto o sangue se concentra:
universo
pronto pra explodir desde a densidade
num poema.
Febres oníricas se esfregam entre as coxas:
as chamas feitas do tumulto de lençóis,
as casas móveis a habitar os sons
suspensos.
E as imagens enlouquecem
como os seios gigantes na sua boca,
este cinema aéreo, o desgoverno
dos sonhos em vaivém
nos orifícios. E fundo
mais um imprevisto
ante a sorte e o oráculo.
Raízes do futuro a incandescer detalhes
nas cartas do tarô.
E na dobra do destino em lemniscata,
meu corpo e o seu
multiplicados como partículas
de um cosmo-espelho.
E fundo
galáxias inteiras
a refletir seu rosto, seu dorso, o enigma
da sua figura em mim, fonte
de toda a criação, espanto
oceânico na pele
até
o ápice: a implosão
do universo.


Porque tocar é através

(25.02.19)

Por entre os resquícios do prelúdio,
um ganido de algo bem antigo
encobre ganas.
É um tipo de engano
entre nós como um biombo.
Enquanto espreito a destreza
escrita (em letras garrafais) nas invisíveis
cicatrizes do seu rosto.

Ainda espero que me cace
entre os séculos dentro
dessa taça de absinto.
Uma fervura alcoólica
a molhar o fôlego ou
minha respiração interrompida

entre as falhas exibidas como enredo
− porque a história é minha máscara.

Por entre as releituras do seu nome,
um capítulo em que arranco
páginas inteiras. Grifo
palavras não ditas, cenas
entre nós como um susto
bom. Enquanto decoro o floreio
da fúria em destaque na insensível
ausência do seu corpo.

Ainda espero que me ache entre
as constelações dentro
desse pote de tinta.
Um risco viscoso
a lambuzar os dedos ou
minha sanha interrompida

entre o silêncio & a promessa
− porque sua ausência é mais de um livro.

Por entre as armadilhas da pele,
essa textura quente e ávida
entre nós como um preâmbulo.
É um tipo de rasgo
antes do beijo, antes
do toque inscrito
(em letras garrafais) na inatingível
exposição.

E ainda espero que me rasgue entre
eternidades dentro
desse hiato

entre a nudez & a narrativa
− porque tocar é através. É através.


Caligrafia

(17.03.19)

A caligrafia é a da nudez. A do rosto.
A dos panos trespassados
por luz. 
É a caligrafia das chuvas de granizo,
castigos de água
na parte mais grave da sede e do sono.

Por isso, nada repousa. Nada é brandura.
Isto é isto: a pele no uivo.
Isto é isto: o corpo no salto
em que todas as vísceras perdem o nome.

*


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