#notas
Os nomes são como conchas (vasos) pra instantes de um fluxo. O primeiro gesto de nomear substitui um efeito vivo (o manifesto) por uma síntese: o nome. Como uma fotografia reinventa o instante que captura e delimita interpretações possíveis a esse instante, assim é também o gesto de nomear. Reinventa o que observa ao mesmo tempo que captura o observado. Nomear é absorver uma forma dentro da necessidade de nutrir-se com ela. Como se come uma fruta e ela se torna parte de quem a come. Ou: quando se diz cachoeira, ao mesmo tempo que se indica um instante específico de fluxo da água, são eliminadas nuances dentro desse instante (a cachoeira), porque um nome é grávido de uma quantidade limitada de narrativas (ainda que incontáveis).
O poético recombina representações de instantes de um fluxo (nomes) na tentativa de recuperar a integridade do fluxo (o efeito vivo, o manifesto sem mediações: o imediato). Isso que está aquém ou além das mediações é impensável (“não tem atributos”), é inimaginável (“não tem imagem”), é incorpóreo/impalpável (“não tem corpo”). É esse imanifesto, indizível, que aparece como tensão no nomeado e em torno dele, isso que está aquém e além das representações, aquém e além da linguagem, aquém e além, portanto, da invenção do mundo, aquém e além da consciência que interpreta e funda o mundo em cada civilização.
O poético sabe que sua pretensão de ser a linguagem-transparência, a que só devolve ao mediado o imediato, sabe que esse desejo contém em si o próprio falimento. É todo lucidez diante do caráter representativo (portanto, inventivo e limitador) da linguagem. Mas esse desejo que inaugura o poético o assemelha ao místico, e nesse desejo o poético e o místico se confundem.
A linguagem mística confronta o pensamento religioso (no interior do religioso) como a linguagem poética confronta a linguagem oficial (no interior da linguagem oficial).
No pensamento religioso, a ordem (a lei) é uma resposta direta ao desconhecido, a toda graça e horror que podem vir dos instantes de fluxo ainda não confinados e controlados através de nomes. No pensamento cotidiano (linguagem oficial), um aparato sofisticado de mediações é trocado por uma ilusão de realidade imediata.
O místico deseja o princípio anterior às formas, o que está na fonte das metamorfoses e de cada forma particular. O místico recebe o imediato através de cada figuração/emanação.
Se o efeito vivo é irrecuperável por aquilo que o nomeia (o que diremos de sua causa?), se o que temos não é jamais o imediato, mas aparatos de linguagem que representam partes, fragmentos de seu fluxo, escolho dois aparatos avessos ao que é instituído como melhor representação do mundo/do real. Escolho investigar o subversivo: o poético, o místico, a linha em que essas duas linguagens se cruzam, a revolução invisível, lentíssima e radical contida nelas.
Começo pelo estudo de parte da Cabala. Ain Soph & a Árvore da Vida.
Ao princípio de onde emana o manifesto a Cabala chama de Ain Soph (do hebraico, Ilimitado). Ain Soph não tem atributos (é impensável), não tem imagem (é inimaginável) nem corpo (é impalpável). Ain Soph é comparado às águas, substância sem forma e sem limites, porém concebíveis e nomeadas pelas formas que assume ao se espalhar na terra, representadas pelos dez sefirot. Na metáfora das águas, os sefirot correspondem a fonte, rio, bacia (dentro da qual fluem as águas), mar (de onde as águas correm em sete canais). Investigamos a natureza de Ain Soph por suas dez emanações, a Árvore da Vida.